terça-feira, 31 de maio de 2016

O erro mais irritante de todos

aqui falámos sobre o maior erro de todos, que é não dar importância à forma como se escreve. Depois há erros propriamente ditos, uns mais irritantes do que outros, dependendo da opinião dos falantes, claro.

Esta é a nossa opinião. De um ponto de vista técnico, não há erro pior, que soe pior, que retire mais credibilidade a alguém. Quando este erro é apanhado, a pessoa que o cometeu vai passar por alguém que andou pouco tempo na escola (se algum) ou que, no tempo em que lá esteve, não prestou grande atenção.

Sem mais demoras, ei-lo: ha-des. Além de constituir um valente pontapé na boa formação de palavras, esta... coisa (palavra não é certamente), mostra uma de duas coisas: ou um profundo desconhecimento sobre a formação de palavras em português, ou uma profunda falta de cuidado ao falar.

Talvez não seja difícil cometê-lo. É certamente mais complicado, de um ponto de vista fonético, dizer a sua versão correta, que, obviamente, é hás-de. Mas da mesma forma como todos nós, na infância, andámos insistentemente a treinar os "três tristes tigres", também podíamos tê-lo feito com "hás-de". "Hás-de". "Hás-de". "Hás-de". "Hás-de".

Se alguma vez cometeu este erro, repita "hás-de", pelo menos mil vezes, para nunca mais se voltar a enganar. Se comete de propósito, só porque é preguiçoso, pense que há alguém a ouvi-lo e, provavelmente, a insultá-lo mentalmente (ou a reagir da forma que se segue:)




Um bocadinho mais raro, mas ainda assim demasiado frequente, é a forma ha-dem, outro processo extraordinário de quem não gosta de se esforçar ou simplesmente de quem não aprender a falar a língua como deve ser. Em vez de hão-de, que não é nada, mas nada complicado de se dizer.

E, já agora, vamos só explicar: o verbo haver, tipicamente um verbo impessoal, em certas construções comporta-se como um verbo que se pode conjugar de acordo com o sujeito. Frases do tipo "havias de cá vir", em que o verbo haver é seguido da preposição "de". A frase aqui referida está no Pretérito Imperfeito, mas quando usada no Presente do Indicativo:

Eu hei-de
Tu hás-de (hás-de, hás-de, hás-de, hás-de)
Ele há-de
Nós havemos de
Vós haveis de
Eles hão-de (hão-de, hão-de, hão-de)

É importante também referir que, aqui, o verbo "haver" - seguido da preposição "de" - é um verbo auxiliar, sendo sempre seguido de um verbo principal.

E para quem continua a cometer este escabroso erro da língua portuguesa, lembrem-se: a língua é aquilo que os falantes falam, está em constante evolução. Quantos mais houver a dizer atrocidades como "ha-des" ou "ha-dem", maior é a probabilidade de virem a deixar de ser erros. E isso é das piores coisinhas que se pode fazer a uma língua tão bonita, tão rica, tão cheia de recursos como é a língua portuguesa, não é?

E já agora, devo dizer: Hades existe. É o nome de um deus grego. E escreve-se tudo junto e com maiúscula. E é o deus dos infernos. Infernos! Perceberam? Hades é dos infernos! Portanto não o digam.

segunda-feira, 16 de maio de 2016

9 - Meio-dia e meia / Meio-dia e meio

Hoje vamos sair um pouco do domínio da escrita e entrar, por breves momentos, na oralidade. Ora, em muitas e muitas conversas, as horas são um tema muito falado. E a hora 12h30 é muitas vezes referida na oralidade de forma errada.

Os falantes, quando pensam em meio-dia, pensam numa palavra do género masculino, porque a palavra "dia" é masculina e porque a palavra "meio" também parece ser. Mas, na verdade, não é. Vamos por partes.

A palavra meio pode pertencer a três classes de palavras distintas. Em primeiro lugar, pode ser um adjetivo, que pode significar "metade de" alguma coisa ou algo "médio, moderado" (segundo o Priberam). Quando é um adjetivo, meio é variável em género (há meio e há meia). E como um adjetivo surge sempre no escopo de um nome - que está a qualificar -, tem de concordar com género desse nome.

Também pode ser um nome, de género masculino, com vários significados possíveis (metade, o centro de alguma coisa, o modo para chegar a algum lado, etc).

E, finalmente, pode ser um advérbio, que significa "um pouco" ou "mais ou menos". Meio, enquanto advérbio, é uma palavra invariável, não tem género.

Portanto, meio tanto pode ser variável em género, como não ter género nenhum, como ser uma palavra do género masculino. É natural que confunda, sobretudo numa expressão em que surge duas vezes. E a pior parte é que, apesar de os adjetivos surgirem sempre no escopo de um nome, nem sempre esse nome está expresso na frase ou expressão. É precisamente o caso.

Meio-dia é um nome composto, do género masculino porque o nome "dia" é que é, por assim dizer, "dominante". Mas o "meio" que vem a seguir é um adjetivo. E este adjetivo não concorda com a palavra meio-dia, mas sim com aquilo a que meio-dia se refere: a hora. E a hora é um nome de género feminino. E os adjetivos concordam sempre com o nome, não é? Então, a expressão é meio-dia e meia hora. Ou, simplificando, meio-dia e meia.

Isto é válido quer para português europeu como português do Brasil.

quarta-feira, 11 de maio de 2016

8 - Eminente / Iminente

Neste ciclo de erros lexicais, temos percebido que, muitas vezes, a fonética semelhante das palavras leva a que muitos falantes cometam erros de escrita que deturpam o significado da sua mensagem. Este é mais um exemplo. 

Embora possa haver uma ligeira diferença na pronunciação do "e" e do "i" no início das duas palavras, a maior parte das pessoas pode nem a detetar. E, consequentemente, muitas acabam por escrever coisas do tipo:

- A transferência do jogador está eminente.

Mal. Eminente significa algo que se destaca, que é superior

e·mi·nen·te 
adjectivo de dois géneros
1. Elevadoexcelente.
2. Que excede aos outros.

"eminente", in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2013, http://www.priberam.pt/dlpo/eminente [consultado em 11-05-2016].

Assim sendo, uma montanha pode ser eminente, por ser muito alta e por se destacar claramente na paisagem. Uma pessoa pode ser eminente, por ser importante ou por ter uma qualquer qualidade que é excelente.

Portanto, eminente não significa "aquilo que está prestes a acontecer". Isso, sim, é o que significa iminente. Ou seja:

- A transferência do jogador está iminente [e, portanto, pode acontecer a qualquer momento].

i·mi·nen·te 
(latim imminens-entisparticípio presente de immineo-areestar próximoestar iminente)
adjectivo de dois géneros
1. Que está quase a acontecer. = IMEDIATOPRÓXIMO

"iminente", in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2013, http://www.priberam.pt/dlpo/iminente [consultado em 11-05-2016].

Na verdade, há um truque para decorar. Apesar de ambas as palavras pertencerem à classe dos adjetivos, a palavra iminente surge, normalmente, associada à expressão estar iminente. Por significar estar próximo, esta expressão tem uma interpretação temporal de futuro próximo. Ou seja, no momento da enunciação, supomos que é verdade que aquela proposição há-de acontecer num futuro próximo. Ainda não aconteceu, não está a acontecer, mas vai acontecer em breve. 

Pelo contrário, associamos a palavra eminente a uma qualidade, algo que é imutável. E portanto, não a podemos incluir numa expressão que carreie informação temporal. Se a montanha é eminente, então já o era no passado - desde a sua formação -, continua a sê-lo no momento da enunciação e continuará a sê-lo no futuro - a menos que desabe. 

Uma vez mais, basta ter atenção ao escrever, pois não há qualquer semelhança semântica nestas duas palavras, apesar de ambas serem adjetivos. 


segunda-feira, 9 de maio de 2016

7 - Traz / Trás

Este é de tal forma óbvio que parece impossível que alguém com mais do que o ensino primário se engane. Mas, infelizmente, é um erro comum, que acontece por se tratar de duas palavras homófonas, i.e., que se lêem exatamente da mesma maneira. 

E, pior, também acontece aparecerem em meios de comunicação social. Não duvidem: erros como este são daqueles que retiram qualquer credibilidade a quem escreve. 

A forma traz vem do verbo trazer, daí escrever-se com "z". É tão simples quanto isto. Ou não é? E corresponde à 3ª pessoa do singular, no Presente do Indicativo. Também pode ser a 2ª pessoa do Imperativo, que é o modo ligado às ordens e aos pedidos. Ou seja:

- Em alguns dias, ela traz a filha para o trabalho.
- Maria, traz o garrafão de água!

Por seu turno, trás consiste na parte posterior de alguma coisa. Ou, dito de forma ainda mais básica, é o contrário de frente. Também não podia ser mais simples. 

- O Pedro virou-se para trás e viu-a.
- O atleta veio a correr desde trás e ganhou a maratona. 

E é isto. Fácil, não é? Basta ter atenção.


quinta-feira, 5 de maio de 2016

6 - Descriminar / Discriminar

Este erro, tal como outros de que temos falado, encontra-se frequentemente em meios de comunicação social. E tal como o erro do artigo anterior, isso tem muitas repercussões para o sentido global da frase.

O erro, mais uma vez, está relacionado com a semelhança gráfica entre as palavras, mas se atentarmos às regras de formação de palavras, podemos retirar logo daí conclusões.

A palavra descriminar tem uma partícula importante, que é o prefixo "des". Ora, o prefixo "des" significa "ação contrária" (Ciberdúvidas). Ou seja, descriminar tem como raiz a palavra "criminar", a que é acrescentado o prefixo. Logo, descriminar é o contrário de criminar. E criminar significa:

cri·mi·nar Conjugar
(latim criminor-ariacusarcaluniar)
verbo transitivo
1. Ter como criminoso.
2. Imputar crime a.
3. Acusar.


"criminar", in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2013, http://www.priberam.pt/dlpo/criminar [consultado em 05-05-2016].

A tal "ação contrária" de tudo isto, vulgo, a palavra descriminar, significa:

des·cri·mi·nar Conjugar
(des- + criminar)
verbo transitivo
Tirar a culpa aabsolver do crime imputado. = DESCRIMINALIZAR

"descriminar", in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2013, http://www.priberam.pt/dlpo/descriminar [consultado em 05-05-2016].

Portanto, fixem o truque: se virem o "des", é um prefixo e a palavra está relacionada com a absolvição de culpa de alguém, em frases do tipo o juiz descriminou o homem acusado de traficar droga.

Isto nada tem que ver com a palavra associada a conceitos como xenofobia ou intolerância, que é a palavra discriminar ou discriminação, etc. E "dis" não é prefixo de coisa nenhuma; pelo contrário, faz parte da raiz da palavra discriminar. Que, por sua vez, significa:

dis·cri·mi·nar Conjugar
(latim discrimino-are)
verbo transitivo
1. Estabelecer diferenças. = DESTRINÇARDIFERENÇARDISCERNIRDISTINGUIR
2. Colocar algo ou alguém de parte. = SEPARAR
3. Tratar de modo desigual ou injustocom base em preconceitos de alguma ordemnomeadamente sexualreligiosaétnicaetc.

"discriminar", in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2013, http://www.priberam.pt/dlpo/discriminar [consultado em 05-05-2016].

Portanto, podemos discriminar pessoas de diferentes origens, etnias, etc; podemos apresentar uma conta discriminada. O que não podemos fazer é discriminar alguém de um crime cometido ou descriminar uma pessoa pela sua etnia. 

sexta-feira, 29 de abril de 2016

5 - Ratificar / Retificar

Esta é outra que os jornais teimam em usar mal. Um erro extremamente comum em texto jornalístico, por ambas as palavras serem bastante usadas, embora tenham significados completamente diferentes.

O facto de haver muitas palavras parecidas em português só significa que quem escreve tem de o fazer com cuidado e atenção. E, se estiver a escrever para muita gente, como acontece nos meios de comunicação, em blogs ou para a web em geral, convém que saiba exatamente o significado daquilo que diz/escreve.

Ora bem, assim sendo, para explicar este erro basta explicar o que cada palavra quer dizer.

O verbo ratificar significa "confirmar", "comprovar", e é sobretudo utilizado em contexto jurídico. Quando uma lei é "comprovada" por alguém, ela é ratificada. Também se podem ratificar outros tipos de documentos, naturalmente. Dito de forma leiga, ratificar é a forma de tornar oficial o documento ou a lei, ou seja o que for.

Por seu turno, retificar significa "corrigir". Assim, retifica-se um erro. Também se pode retificar uma lei ou qualquer documento, claro, mas isso é porque a lei estava errada, não é porque vai ser promulgada por quem quer que seja.

É certo que a nova ortografia não veio ajudar em nada, porque tornou a grafia dos dois verbos ainda mais semelhantes (já que caiu o c em rectificar). Mas não é desculpa!

Este é um erro clássico para fazer lembrar sempre a quem escreve: tenha sempre atenção!


quarta-feira, 27 de abril de 2016

4 - Em vez de / ao invés de

Felizmente, este não é dos mais comuns, mas ainda ocorre muitas vezes. É fácil, sobretudo, confundir estas expressões na oralidade. Aqui vale a pena ir ao dicionário para ver as diferenças. Então:

- Invés:
in·vés 
substantivo masculino de dois números
1. Lado oposto ao dianteiro. = AVESSO

ao invés (de)• Ao contráriocontrariamente (ex.: a vantagem destes materiaisao invés dos anterioresé a relação qualidade-preço).

"invés", in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2013, https://www.priberam.pt/DLPO/inv%C3%A9s [consultado em 27-04-2016].

- Vez:
vez |ê| 
substantivo feminino
(...)
3. Ocasiãoturno.
4. Tempoépoca indeterminada.

(...)
em vez de• Em lugar de.

"vez", in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2013, https://www.priberam.pt/DLPO/vez [consultado em 27-04-2016].

Só por estas palavrinhas, que constituem o núcleo das duas expressões lexicais confundidas, se percebe como têm significados diferentes. Em vez de e ao invés de são duas locuções adverbiais, que têm, então, propósitos distintos. 

A primeira relaciona-se com uma ideia de substituição: Em vez de ir à inspecção, comprei um carro novo. A segunda equivale a ao contrário de. Ora, não podemos dizer Ao contrário de ir à inspecção, comprei um carro novo, pois não?

Da mesma forma como não podemos dizer Em vez da irmã, o Rui gosta de estudar. Pelo contrário, dizemos Ao invés da irmã, o Rui gosta de estudar.